quarta-feira, 15 de dezembro de 2010

E a Imparcialidade?

A imparcialidade do judiciário é um dos princípios mais basilares e importantes para a realização da justiça e para as partes serem tratadas de forma equânime no processo, pois afasta qualquer pressão externa que possa afetar a decisão, e sendo assim, fundamental para que a relação processual seja válida.
Em um julgamento nos Estados Unidos ocorreu um situação interessante: John Ditullio, 24 anos, foi acusado de participar de um grupo neonazista que ameaçavam e chegaram a matar pessoas que tivessem relações muito próximas com negros.
Ocorre que John, a pedido de seu advogado, e que foi deferido pelo juiz da causa, vai ser maquiado todo o dia em que houver audiência para esconder as tatuagens que fez enquanto estava na prisão, entre elas há símbolos nazistas, arames farpados, palavrões, cicatrizes e entre outras, e o pior, tal serviço será bancado pelo Estado.
Ditullio antes e depois da maquiagem.
A justificativa do pedido foi para não influenciar ou assustar o júri quando do julgamento, como disse o próprio advogado de Ditullio: “Nenhum jurado vai olhar para John e julgá-lo com imparcialidade. Com as tatuagens ele mete medo”. A situação é tal, que somente na décima tentativa é que uma maquiadora aceitou fazer o trabalho, pedindo ainda o anonimato, e recebendo 125 dólares por sessão.
Ora, só porque o indivíduo tem tatuagens de símbolos do nazismo quer dizer que ele é culpado? É óbvio que não, talvez até possa influenciar um pouco, mas não acredito que seja determinante para decidir a questão, é preciso sempre fazer um esforço para esquecer o que não tem relação direta com o processo, pois só as tatuagens não provam a prática do crime, o importante, e espero que sempre seja, é a análise probatória, ele pode ter tatuado até uma foto do Hittler na testa que mesmo assim não deve ser levado em consideração, além do que, acredito que todos saibam das tatuagens dele, então terá menos utilidade ainda a maquiagem.
Outra coisa, se ele acredita que as maquiagens vão ajudar no desfecho de seu caso, ele que sustente tal futilidade, e não o Estado, que tem o dever intrínseco de ser imparcial apesar das adversidades, o que o juiz poderia fazer, depois que o advogado tenha pedido, é ratificar ao júri que não dê importância as tatuagens.

9 comentários:

  1. E aí, Diego, como vão as coisas? Estávamos sumidos por conta das aulas e provas, né? Estou vendo que já retornastes em alto estilo: gostei bastante desse post (sempre que envolve algo com Direito Penal eu estou me entrosando[rs])!

    Pois bem, tuas palavras me ensejaram à dizer algumas palavras. Vamos lá.

    Primeiramente, eu fico me perguntando se existem pessoas mais astuciosas e malabaristas do que os advogados criminalistas? Concordas comigo? (rs)
    Não é fazer apologia à qualquer característa maliciosa não. Me refiro mesmo ao grau de precisão que deve envolver uma potencial defesa de liberdade de um ser humano, precisão cirúrgica, não achas?

    Segundo, quanto à "imparcialidade", é claro que sabemos que sempre (digo, sempre mesmo!), haverá uma certa mitigação da mesma, ainda que seja mínima, até porque estamos tratando de seres humanos, seres passíveis de emoção e sentimentos. Já avistava esse entendimento Durkheim, ao tratar da similar imparcialidade envolvente entre o cientista e o objeto de sua pesquisa (o tipo social). É claro, que para o alcance de uma justa medida, os padrões hermenêuticos (racionais) de interpretação devem se preponderar diante do subjetivismo. É o que se busca hoje em nosso Direito.

    E terceiro, quanto ao fato das cicatrizes tendenciarem o júri à uma decisão pré-fixada antes mesmo do transcurso regular do processo, podemos traçar uma análise baseada nos conceitos de Direito Penal do Fato x Direito Penal do Autor. É claro que temos que analisar o crime em sim. Mas não podemos esquecer que crime não é algo natural, algo inerente ao homem (crendo que o homem nasce essencialmente bom e a sociedade que o corrompe - já citando Rousseau, ou que o homem é o animal do próprio homem - já citando Hobbes), porque na verdade o crime é uma criação do próprio homem, pelo menos o conceito é. No entanto, o que não é criação do homem é o "fato". Logo, o crime é uma criação que se enquadra em um objeto pré-existente, "os fatos".
    Dessa forma, resumindo, sem mais delongas, a análise é fática, e é assim que deve ser.
    No entanto, não podemos nos esquecer das "circunstâncias judiciais" que estão previstas em nosso Código Penal (art.69), que caracterizam uma "prognose de suficiência", que vão nortear o julgador do caso.
    É nesta parte que encontramos um item chamado "Personalidade", o que pra mim em algumas vezes não faz muito sentido porque um indivíduo não tem a obrigação de ser uma "pessoa boa/de bem", na verdade o que o mesmo tem é a obrigação de não cometer crimes ou comprometer a harmonia social, e o que vemos, em muitas das vezes, é que tal circunstância acaba por aumentar a sua pena. Direito Penal do Fato!
    No entanto, não vejo problemas no caso de um indivíduo dito "bom" ter sua pena reduzida, afinal, devemos sempre buscar o benefício do réu, e não crer que o vetusto "in dubio pro societates" ainda possa ter validade em tais situações. No caso, é possível que John tenha um ponto desfavorável, nesta circunstância, no nomento da dosimetria da pena, se realmente for o caso de uma condenação, que é provável, não esqueçamos que se trata de Júri Popular (Instituto do Direito que ainda precisa de alguns "reparos", ao meu ver)!

    Acho que, ainda que no afogadilho, pude exprimir alguns dos meus pontos de vista quanto a essa questão. Sempre que o assunto for Penal ou Constitucional, vais me ver por aqui, meu amigo! (rs)

    Forte abraço,
    Matenha o blog ON.

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  2. Fala Adrian! Tudo tranquilo, e com o Sr? Pois é final de semestre é sempre complicado, acumulo de provas, trabalhos e tudo mais, mas deu tudo certo e é menos um semestre para nós não é? Já tinha mesmo reparado teu interesse por direito penal em teu blog (e também por filosofia acredito), confesso que não é muito meu forte, mas acabei me interessando por essa notícia, acredito que mais pelo lado processual, por ser um caso diferenciado.

    De fato advogados criminalistas têm a fama de serem astutos e dissimulados, sempre tentando manipular, mudar o modo de ver os fatos, até que não os culpo, acho que é um mal que às vezes para eles é necessário, infelizmente nesse ramo os mais maliciosos são os mais bem sucedidos.

    Quanto à imparcialidade no caso, até acredito que ocorra tal mitigação, pois infelizmente não podemos simplesmente deletar o que queremos e só olhar para os pontos importantes do caso, mas mesmo assim, creio que não seja tão relevante para o julgamento, sou contra qualquer tipo de concepção pré-concebida, devendo-se afastar o que se acredita no âmbito subjetivo e olhar somente para o caso em si, e se os fatos e as provas caminharem para inocentar um nazista, é isso que deverá ser feito, apesar de que, para um leigo, e acredito que até para a grande maioria da sociedade, inocentar um nazista do crime de racismo, ou de ter matado um negro, seria inconcebível, acabaria ocorrendo até um descrédito do Judiciário.

    As circunstâncias judiciais com certeza devem ser analisadas, como antecedentes, culpabilidade e etc. Concordo contigo quanto à questão da Personalidade, ora, o indivíduo que se tatua com símbolos nazistas, faz adoração ao Hittler, e qualquer outra coisa, não deveria ter sua pena aumentada simplesmente por não ser um “sujeito do bem” perante a sociedade, a obrigação que ele tem seria de não prejudicar outras pessoas com suas crenças, talvez caberia aqui até uma analogia ao princípio da Lesividade.

    É sempre bom tê-lo comentando aqui neste espaço, pode deixar que o blog vai continuar ON.

    Um abraço.

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  3. Só para me retificar: o artigo que trata das circunstâncias judiciais é o art. 59/CP e não o 69, como eu havia dito. Pressa sempre inimiga da perfeição.

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  4. Verdade, pior que eu respondi e nem reparei, agora que fui ver.

    hehe

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  5. Pessoalmente, eu gosto muito de ver posts que se seguem de comentários prolongados e pertinentes: isso sim é debate! isso sim é dialética! isso sim é aplicação, e simultânea interpretação, do conhecimento, no caso, o Direito (essa noção de aplicação/interpretação vem da hermenêutica filosófica Gadameriana, pois bem, como percebestes, sim! eu tenho grande atração por filosofia [rs]). Provando isso, farei uso desse conhecimento agora.

    Então, acho que conseguimos desenvolver bem a temática ora exposta no post, no entanto, eu gostaria de deixar um último apontamento, ainda correndo o risco da digressão.

    Mencionastes em teu comentário "sou contra qualquer tipo de concepção pré-concebida, devendo-se afastar o que se acredita no âmbito subjetivo e olhar somente para o caso em si", o que me levou a crer que, nós não temos gotas de pré-concepção no que se convencionou chamar de "prevenção" (no caso, podemos entender a "prevenção do crime")?
    Será mesmo que não devemos dar importância à essa prevenção, que possui liame direto com a pré-concepção?
    O que eu quero dizer é que, se por algum motivo ou fato real tentamos nos prevenir de qualquer mal é porque, sinceramente, acreditamos (de forma prévia!) que algum mal possa acontecer, seja ele oriundo de um ser humano ou inerente à própria natureza. Assim ele é importante para nós, porque, caso não tivéssemos o mesmo, poderíamos, nas mais variadas situações, incorrer em lesividades à nossa incolumidade pessoal.
    Talvez, nessa perspectiva, possa haver uma relativização da "absoluta refutabilidade à pré-concepção do mundo". O que tu achas?

    Instiguei! (rs)

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  6. Também me agrada muito quando vejo que o debate foi adiante, pois é assim que crescemos tanto como estudantes como quanto seres humanos, espero que possas sempre contribuir desta maneira com a discussão.

    Por um lado acho que tens razão, realmente eu generalizei quanto a essa questão, mas o que eu quis dizer é que sou contra que uma decisão de mérito, tanto avaliada por um juiz como por um júri, tenha foco essencialmente em situações que não tenham relevância com julgamento, como no caso de Ditullio, um nazista declarado sendo acusado do crime de racismo não seria necessariamente culpado, pois o que deve prevalecer, em uma decisão meritória, é a análise dos fatos e das provas, e não julgar puramente nas aparências e em suas convicções pré-fixadas.

    De fato, quanto à questão da prevenção, tomando como exemplo um negro pleiteando uma medida de segurança contra um neonazista declarado, realmente, em caráter liminar, o juiz terá que deferir com suas questões pré-concebidas, visando questões não muito concretas, que para este, uma pessoa que defende o nazismo pode ser um indivíduo perigoso, no caso teria a aparência de dano eminente e o perigo na demora, tendo os fundamentos para deferir tal pleito, para que se possa evitar uma lesão ao direito do indivíduo.

    Mas não indo muito longe, pensando melhor, e por mais que eu repudie isso, acho que até nós mesmo às vezes tomamos decisões com tais convicções para evitar que sejamos prejudicados, como quando andamos na rua e vemos alguém suspeito, ou andamos mais rápido ou entramos em algum local para não correr o risco de sofrer uma agressão tanto física como psicológica.

    Olhando por esse lado, com certeza há uma relativização da refutação total à pré-concepção, muito bem lembrado por ti, até porque acho muito difícil se ter alguma coisa absoluta no direito, não achas? Não tinha ainda pensado por esse ângulo, pode crer que aprendi bastante com esse debate.


    Pode esperar minha visita no teu blog para discutirmos mais por lá.


    Um abraço.

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  7. É isso mesmo!
    Ao escrever o comentário anterior, pensei bem neste exemplo que acabas de citar dos transeuntes nas ruas que se "afastam" das pessoas desconhecidos que não aparentam bons auspícios. Foi o exemplo prosaico que me pareceu mais candente, nesse assunto.
    Outrossim, não podemos esquecer que foi esta "Pré-compreensão" que ajudou o homem a evoluir nos primórdios da humanidade. Temos como exemplo um indivíduo A, que observa um animal nocivo B. Por aparentar ser um ser vivo diferente, e portanto, desconhecido aos olhos de A, este último não se aproxima, por desconhecer e presumir perigo. O que tu achas?
    Se desde então todos "homo herectus, sapiens,..." fossem ter este contato com um mamute, onça, sem essa pré-concepção formada, a nossa raça estaria extinta.
    É claro que esse pensamento se pauta em mera presunção, mas possui um sentido.
    Fato é que temos aversão do desconhecido, justamente por não sabermos de qual forma seremos recebidos.

    Gostei mesmo do debate, do tema exposto, e de sua força em estar dedicando tempo ao blog em plenas férias. A maioria não quer nem ler nada, apenas "curtir"!

    Vamos aproveitar as férias, ler e escrever, o máximo possível, afinal, é o tempo que temos livres para a busca de conhecimentos que estejam desatrelados (ainda que somente "prima facie") do pensamento jurídico, à exemplo da Filosofia, Literatura, etc.

    Abraços, Diego.

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  8. De fato a filosofia é um dos teus pontos fortes, teu último comentário me fez até ficar curioso para procurar ler sobre a questão da pré-concepção, se souberes um livro que trata do assunto me avisa, beleza?

    O exemplo que destes faz todo o sentido, realmente temos medo do desconhecido, acho que a pré-concepção já era utilizada bem antes do que podemos imaginar.

    Com certeza nas férias, com todo o tempo livre, é ótimo para escrever e lermos sem nenhuma obrigação, ou preocupação de fazer provas e trabalhos, mas nem por isso podemos esquecer-nos de fazer relação com temas jurídicos.

    Fico agradecido por te dispor a vir aqui neste espaço para trocarmos idéias e debater sobre o tema ora postado.

    Um Abraço.

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  9. Caro Diego, tomei a liberdade de publicar este debate em meu blog, espero que não se importe.
    Além do mais, pode me adicionar no msn, acho que fica melhor para conversarmos:
    adrian_abs26@hotmail.com
    Abraços.

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